segunda-feira, 3 de novembro de 2008

O processamento dos registros sobre violência


Oficialmente, as instituições têm a responsabilidade de fornecer as informações sobre os eventos violentos, embora suas atribuições extrapolem essa função. O que se observa, entretanto, é que estas informações são desqualificadas, perdendo-se de vista o seu potencial analítico.


Dos registros (boletins de ocorrência e declaração de óbito), muito pouco se acaba sabendo (e o que se sabe reflete todas as distorções já referidas). As estatísticas oficiais, quando muito, informam apenas a distribuição da violência segundo tipo, sexo e faixa etária, descaracterizando-se, dessa forma, grande parte dos atributos das vítimas e das circunstâncias do evento.


Trata-se, portanto, de registros para os quais maior detalhamento e refinamento de certos dados só são possíveis quando o próprio interessado (usuário) se dispõe a efetuá-los.


De modo geral, as informações por parte de quem as processa, como os Ministérios da Saúde e da Justiça e as Secretarias de Saúde, são defasadas, às vezes em anos, como é o caso das estatísticas de mortalidade, impedindo qualquer tomada rápida de ação.


Após geradas e processadas por cada instituição, o resultado é desalentador. A informação é inconsistente, cada instituição refere diferentes montantes para um mesmo evento e acaba-se sem saber ao certo, por exemplo, dados básicos como quantos acidentes de trânsito ou quantos homicídios ocorreram no período de interesse. Isso sem contar outros dados decisivos para a formulação de políticas públicas em geral.


Baseadas em informações tão precárias, as ações de segurança pública, assim como as do setor saúde, acabam prejudicadas. A Polícia alega que não tem elementos suficientes para investigar; a Justiça não pune porque a investigação policial não fornece as evidências e provas necessárias; o serviço de saúde não detecta os casos.

E quando o faz, não encaminha ou não sabe que atitude adotar, ou, ainda, prefere ignorar seu compromisso e age negligentemente em relação à violência. Em resumo, a sociedade, ora desconhece a magnitude e o significado de seu processo de violência, ora se contenta com o que lhe é oferecido como sendo a verdade.


Quaisquer políticas públicas calcadas em informações que sequer servem para direcionar as próprias ações das instituições nas quais são geradas tornam-se inviáveis ou inoperantes, porque antes de qualquer coisa, caracterizam-se como um falso dado da realidade, cuja expressão social e política reproduz o "status quo" e reforça as discriminações.


Posta por Elicleia Oliveira da Silva-Fonte:Centro Latino-Americano de Estudos sobre Violência e Saúde "Jorge Carelli", Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz.

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