segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Conclusão sobre a violência nos filmes apontados


As quatro cenas descritas dialogam, de fato, num ponto fundamental: a construção dos personagens centrais oferecida nas narrativas. São pessoas pobres, mal-vestidas, periféricas, subalternas, sem estudo, sem recursos e violentas.


Essas cenas constituem pequenas mostras de como a violência se associa à pobreza na tela do cinema brasileiro contemporâneo. Os fatos narrados são verdadeiros fait divers jornalísticos, com suas coincidências aberrantes e incômodas.


É importante frisar que essas histórias são entregues ao espectador de forma naturalista, com materiais reais e baseados nas regras da verossimilhança para a composição da imagem - o que pode apresentar efeito pernicioso sobre a representação, pois é como se cenas carregadas de brutalismo e violência ocorressem a todo instante, em toda esquina das cidades brasileiras.


Como se os habitantes de periferias e favelas fossem naturalmente violentos e como se o olhar do espectador suportasse (ainda) tanta violência.


Na linguagem utilizada pelos diretores nas cenas narradas, pode-se destacar traços comuns ligados a essa representação. A câmera frenética de Cidade de Deus, na cena da tortura às crianças, tem o mesmo ritmo da montagem adotado por Walter Salles, na cena do assassinato na Central. As seqüências são bastante rápidas, numa clara utilização de técnicas dos filmes de ação policial americanos.


Em Central do Brasil há, inclusive, a clássica perseguição entre mocinho e bandido, que culmina com a morte do bandido (negro e pobre) nos trilhos da Central. Como nota Kulechov sobre o cinema americano (Xavier, 1977, 36), “a câmera é colocada em tal perspectiva que o tema de uma passagem atinge ao espectador e é entendido por este da maneira mais rápida, simples e compreensível”.


Nesse momento, pode-se buscar novamente um contraponto a partir das reflexões sobre o Cinema Novo. Nas longas seqüências elaboradas pelos cinemanovistas, tudo o que se pretendia era negar o naturalismo. O Cinema Novo foi justamente a antítese desse recurso - por meio de suas alegorias que, se expunham as contradições brasileiras, negavam a folclorização da pobreza, da fome, da miséria e, sobretudo, da violência.


Naquele cinema, a violência existia para fazer o espectador vê-la e pensar sobre aquilo que via. Cenas clássicas - como a de um nordestino desenterrando uma raiz pra comer ou a do soldado displicente que arma um fuzil de olhos vendados, e mata; por reflexo condicionado, um trabalhador do campo, no filme Os fuzis (1963), de Ruy Guerra - não poderiam deixar imune o olhar. São duas seqüências longas e lentas para que o espectador nelas permaneça, questionando e indo mais fundo.


Na verdade, o filme de Ruy Guerra quer que o espectador veja o problema da fome no nordeste e questione as escusas relações de poder existentes na região, onde soldados matam trabalhadores rurais “em nome da lei”.


Conclui-se, portanto, que o cinema nacional contemporâneo, tematicamente, vem se debruçando sobre as questões sociais do País (a exemplo do que ocorreu no Cinema Novo), mas dá mostras de não ter definido precisamente o foco para o tratamento ético dessas questões. Estilisticamente, o cinema da Retomada dialoga com diretores estrangeiros como Tarantino, Scorsese e Coppola, e com as linguagens publicitária e do clipe.


Ambas as tendências – ética e estética - aparecem na filmografia recente ora com força, ora sem muita consistência, num movimento que demonstra a busca pela inserção do cinema num processo de interrogação da experiência brasileira em suas marcas específicas, próprias de seu tempo.


Posta por ELICLEIA OLVEIRA fonte: Cinema brasileiro da Retomada: da pobreza à violência na tela

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