Jorge Gauthier Redação CORREIO Fotos: Almiro Lopes
Com 2 anos e 7 meses de vida, na quinta-feira (17), pela primeira vez o pequeno Márcio andou de avião. De Barreiras para Salvador foram 871km. Mas a viagem que durou duas horas e 40 minutos no bimotor vermelho, modelo cesna 810, não foi prazerosa para o menino. Durante o trajeto, ele manteve a segurança apertando a mão da mãe. Contudo, nem o contato materno foi suficientepara abrandar a dor provocada por pelo menos 32 agulhasque estão alojadas em seu corpo.
No lugar de sorrisos, o pranto. Ao sair do avião, os olhos castanhos - sempre atentos - procuravam a luz do sol. Não pôde correr, como tanto gosta. Os gritos de alegria deram lugar aos constantes gemidos. Após cinco dias internado no Hospital do Oeste, em Barreiras, ontem (17) pela manhã o menino M.A.S. foi transferido para o Hospital Ana Néri, em Salvador, onde deverá ser submetido a procedimentos cirúrgicos para retirada dos objetos metálicos.
Além do amor por Márcio, a amargura toma conta dos sentimentos de Maria. “Quero que seja feita a justiça com quem cometeu esse crime com o meu filho”, disse a dona de casa, que ficou sem se alimentar por dois dias quando soube que seu companheiro, com quem vivia há cerca de um ano, introduziu as agulhas no corpo de Márcio.
Atenta a cada gesto do filho, a dona de casa se manteve ao lado de Márcio desde quando embarcaram no avião rumo a Salvador. Em dias normais, a doméstica trabalhava durante o dia e via os filhos apenas à noite. A avó cuidava das crianças. O tempo livre da presença maternal foi a brecha usada pelo padastro para agredir o menino. “Não me sinto negligente. Deixava ele com a avó. Nunca imaginei que ele [Roberto Carlos] estivesse fazendo algo de ruim com o meu filho”, revolta-se Maria.
TransporteO deslocamento do menino de Barreiras a Salvador foi realizado em um bimotor da empresa Brasil Vida, equipado com uma unidade de terapia intensiva (UTI). A locação da aeronave foi feita pela Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) e faz parte de convênio firmado há um ano para realização desse tipo de transporte. O valor - entre R$20 mil e R$23 mil - é pago pela Sesab quando há necessidade de fazer o transporte. O coordenador aeronáutico, Dilmy Rangel, afirmou que o menino se manteve estável durante a viagem. “Não foi preciso administrar sedativos”, afirmou o médico.
Além de Rangel, outro médico acompanhou o transporte. O bimotor pousou em um hangar particular na base aérea de Salvador às 11h22. Nove minutos após, ele foi transferido para o Hospital Ana Néri em uma ambulância do serviço de regulação da Sesab. O médico intensivista Carlos Nascimento, que acompanhou o transporte junto com duas enfermeiras, explicou que a transferênciadepacientes em situação delicada por meio aéreo é recomendada sempre que a distância ultrapassa 120km.
menino, morador da cidade de Ibotirama (a 650km de Salvador), começou a passar mal no dia 9 deste mês, quando foi internado no hospital de Ibotirama queixando- se de dores abdominais. Exames de raios-x, feitos em Barreiras, para onde foi transferido com o aumento das dores, identificaram a presença dos corpos estranhos no fígado, bexiga, pescoço, pelve e intestino do menino. Além disso, foi detectada a presença de agulhas na região do coração e pulmão, onde foi colocado um dreno.
ConfissãoO padrasto do menino, Roberto Carlos Magalhães Lopes, confessou que introduziu as agulhas no enteado sob orientação de sua amante Angelina Capistana Ribeiro dos Santos e de Maria dos Anjos Nascimento, que se disse mãe-de-santo. Eles estão presos na delegacia de Ibotirama. Ao contrário do padastro, as mulheres negaram participação no crime.
Ontem (17), o diretor médico do Hospital Ana Néri, Roque Aras, informou que a agulha introduzida no coração de Márcio provocou uma infecção no local. “Antibióticos estão sendo administrados para conter o processo infeccioso”, explicou o médico.
Revolta Em pânico com o estado de saúde do seu filho caçula, considerado grave pelos médicos, a mãe do menino, Maria de Souza Santos, 38 anos, teme pelas complicações. “Rogo muito pela saúde do meu filho. Temo que Deus leve ele de mim”, lamentou a doméstica, que é mãe de mais quatro filhos.
Cirurgia só na próxima semana
As intervenções cirúrgicas para retirar as agulhas do corpo de Márcio devem ser realizadas na próxima semana, segundo o diretor geral do hospital Ana Néri, Francisco Reis. “Apenas após a realização de exames laboratoriais e de imagem poderemos definir como serão feitas as cirurgias”, disse. O mais provável, segundo o diretor do hospital, é que a primeira intervenção seja para retirada do objeto próximo ao coração. “Há o risco de a infecção atingir outros órgãos, pois o coração bombeia sangue para o corpo inteiro”.
Ontem (17), Márcio fez tomografia de tórax, abdômen e coluna para identificação precisa das agulhas. Também foi realizado um ecocardiograma. Hoje pode ser feita uma ressonância magnética. Para combater possíveis infecções, estão sendo administrados antibióticos e antitérmicos.
Uma equipe composta por seis médicos (cardiologista, nefrologista, neurologista, infectologista e cirurgiões) deverá acompanhar o menino na primeira fase de avaliação, segundo informou a unidade de saúde, que tem 222 leitos. A mãe do menino, Maria de Souza Santos, 38 anos, que mora em Ibotirama, cidade localizada no Vale do São Francisco, está sendo acompanhada por psicólogos e assistentes sociais
Desafio para médicos
A distribuição das agulhas por diferentes partes do corpo do pequeno M.A.S, 2 anos e 7 meses, é o maior desafio dos médicos, segundo avaliou o diretor geral do Hospital Ana Néri, Francisco Reis. “Precisamos fazer uma avaliação criteriosa da localização dessas agulhas, pois pela pouca idade dele há grandes riscos de infecção”.
Ontem (17), quando chegou à unidade de saúde da capital, Márcio foi colocado em um dos oito leitos de UTI pediátrica do hospital, que é referência no tratamento cardíaco, de nefrologia e doenças vasculares. “Ele está sendo acompanhado pela equipe de plantão da UTI, que é composta por dois médicos, enfermeiros, nutricionistas e fisioterapeutas”, destacou Francisco.
O diretor da unidade informou, em avaliação preliminar, que não há possibilidade de as agulhas terem sido introduzidas no menino por meio oral. “Aparentemente elas foram enfiadas no corpo do paciente”, destacou Francisco. Não houve movimentação dos objetos metálicos pela corrente sanguínea. “Se as agulhas percorressem o corpo pela corrente sanguínea, ele teria sofrido várias hemorragias. O que pode ter havido foram pequenos deslocamentos”.
A coordenadora cardiopediátrica do hospital, Isabel Guimarães, informou que o tratamento de Márcio requer cuidados.“Precisamos avaliar riscos, identificar quais órgãos e regiões do corpo foram afetados pelos objetos metálicos”, destacou a médica.
Quando chegou ao hospital, às 11h59 de ontem, o menino respirava sem ajuda de aparelhos, estava lúcido e apresentava dores. “Ele fica o tempo inteiro choramingando, provavelmente pela ação das agulhas dentro do corpo. A movimentação dele também fica limitada, pois sente dores”, informou Francisco.
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