“A violência urbana é uma enfermidade contagiosa. Embora possa acometer indivíduos de diversas classes sociais, é nos bairros pobres que ela adquire características epidêmicas.
A prevalência varia de um país para o outro e entre cidades de um mesmo país, mas, como regra, começa nos grandes centros urbanos e dissemina pelo interior. A incidência nem sempre é crescente, mudança de fatores ambientais e medidas mais eficazes de repressão, por exemplo,
podem interferir em sua escalada.
As estratégias que as sociedades adotam para combater a violência flutuam ao sabor das emulações, raramente o conhecimento científico sobre o tema é levado em consideração. Como reflexo, a prevenção das causas e o tratamento das pessoas violentas evoluíram muito pouco no decorrer do século, ao contrário dos avanços ocorridos no campo das infecções , câncer, diabetes e outras enfermidades.
A agressividade impulsiva é conseqüência de perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional. T êndencias agressivas surgem em indivíduos com dificuldades adaptativas que os tornam despreparados para lidar com as frustrações de seus desejos.
A violência urbana é uma doença com múltiplos fatores de risco, dos quais os mais relevantes são a pobreza e a vulnerabilidade biológica.
Os mais vulneráveis são os que tiveram a personalidade formada num o ambiente desfavorável ao desenvolvimento psicológico pleno.
A revisão dos estudos científicos já publicados permite identificar três fatores principais na formação das personalidades com maior inclinação ao comportamento violento:
1-Crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou desprezadas nos primeiros anos de vida.
2-Adolescência vivida em famílias que não lhes transmitiram valores sociais altruísticos, formação moral e não lhes impuseram limites de disciplina.
3-Associação com grupos de jovens portadores de comportamento anti-social.
Na periferia das cidades brasileiras vivem milhões de crianças que se enquadram nessas três condições de risco. Associados à falta de acesso aos recursos materiais, à desigualdade social, à corrupção policial e ao péssimo exemplo de impunidade dado pelos chamados criminosos de colarinho-branco, esses fatores de risco criam o caldo de cultura que alimenta a violência crescente das grandes cidades.
Na falta de outra alternativa, damos à criminalidade a resposta do aprisionamento. Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de que lugar de bandido é na cadeia, não se pode esquecer que o custo social de tal solução está longe de ser desprezível. Além disso, seu efeito é passageiro: o criminoso fica impedido de delinqüir apenas enquanto estiver preso. Ao sair, estará mais pobre,terá rompido os laços familiares e sociais e dificilmente encontrará um emprego. A ao mesmo tempo , na prisão, terá criado novas amizades e conexões sólidas com o mundo do crime .
Construir cadeias custa caro; administra-las, mais ainda. Para gravar, obrigados a optar por uma repressão policial mais ativa, aumentaremos o número de prisioneiros a ponto de não conseguirmos edificar prisões na velocidade necessária para albergá-los. As cadeias continuarão superlotadas nas mãos dos criminosos organizados.
Seria sensato investir o que gastamos com cadeias em educação, para prevenir a criminalidade e tratar os que ingressam nela. Mas, como reagir diante da ousadia sem limites dos que fizeram o crime sua profissão sem investir pesado no aparelho repressor e no aprisionamento, mesmo reconhecendo que essa é uma guerra perdida?
Estamos nesse impasse!
Na verdade, não existe solução mágica a curto prazo. Precisamos de uma divisão de renda menos brutal, motivar os policiais a executar sua função com dignidade, criar leis que acabem com a impunidade dos criminosos do que nossa capacidade de aprisioná-los.
Só teremos tranqüilidade nas ruas quando entendermos que ela depende do envolvimento de cada um de nós na educação das crianças nascidas na periferia do tecido social. O desenvolvimento físico e psicológico das crianças acontece por imitação. Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto da vida. Se não estivermos por perto para dar atenção e exemplo de condutas mais significantes para esse batalhão de meninos e meninas soltos nas ruas pobres das cidades brasileiras ,vai faltar dinheiro para levantar prisões.
Enquanto não aprendemos a educar e oferecer medidas preventivas para que os pais evitem ter filhos que não serão capazes de criar, cabe a nós a responsabilidade de integrá-los na sociedade por meio da educação formal de bom de nível, nas práticas esportivas e da oportunidade de desenvolvimento artístico”.
Posta por Elicleia Oliveira -Fonte:VARRELA, Dráuzio.In Folha de S.Paulo,9 mar.2002.